quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

PÁTIO PIÁ

Pátio de Interação Artística

Leo Cunha


"Do verbo latino: Patēo, v. int. Estar aberto, exposto; estender-se; abrir-se; estar descoberto; manifestar-se; ser evidente.”


Pátio PIÁ é uma paisagem urbana presente na cidade de São Paulo, construída com o olhar de artistas-educadores. É um espaço para a interação, para o encontro e a convivência das diferenças. É o contato com distintas expressões e diferentes maneiras de "agir, pensar e sentir".

Como no significado do verbo latin Pateo, o ato de estar aberto, de se expor estão presentes neste espaço. Espaço para o relacionamento e suas infinitas possibilidades.





O espaço é o Ceu do Caminho do Mar. Este foi o Pátio de observação, atuação ativa (e passiva), e da pesquisa para este ensaio que chamo de Pátio Piá.

Gostaria antes de pensar e investigar com vocês, qual a visão de Pátio que cada um de nós temos.
Qual a sua primeira palavra, definição, relacionada a Pátio?
Qual o Pátio da sua infância? Quanto tempo você usava ele?
Quais as atividades encontradas no seu Pátio?
Quais outros Pátios, ou espaços públicos de socialização que você conhece e que podem ser comparados com a visão de Pátio?






O Pátio em equipamentos Ceus existem. É um cenário particular, talvez não tão evidente, mas que está ali, dividindo com outro cenário também muito particular que é a Escola do Ceu, constituída dos ciclos de Educação Infantil, Fundamental, Médio e Universidade Aberta.

Em 2015 no Ceu Caminho do Mar, o Piá veio a participar e atuar também neste cenário, junto e na EMEF deste Ceu. A equipe formada neste ano, na verdade foi uma dupla, foram eu e a Artista Educadora Carolina Bagnara, que então atuamos com exclusividade para duas turmas desta Emef, uma com alunos do 3ºano e outra com alunos do 4º ano.

Essa parceria do Piá com a escola do Ceu, com turmas exclusivas da escola, não aconteceram em todos os equipamentos. Porém esse modelo não é inédito. Vale lembrar que em 2004 com o projeto EMIA nos Ceus, embrião do que se tornaria Piá, atendia exclusivamente crianças da própria escola do Ceu, CEI e EMEF. A exemplo disso, foi quando atuei no Ceu Perus neste mesmo ano.



Esse breve panorama que compartilho aqui, serviu então para voltar meu olhar e perceber de que maneira os alunos da Emef atuam neste equipamento quando não estão nas salas de aula, ou quando não estão em aula. De que forma eles usam os espaços da escola, do Ceu, quando não estão em aula?

Sendo assim, o que percebi primeiro foi essa própria diferença de espaços e o comportamento das crianças. O espaço da aula, a sala de aula, onde os alunos são “obrigados” a estarem e a fazerem suas tarefas. E o que é fora da sala de aula, ou seja o Pátio, onde o aluno não tem obrigação de tarefas e o espaço e tempo são dissolvidos.

Dessa forma percebi que o espaço no qual o Piá atuou, fora do tempo e espaço de aula, é o que irá determinar a nossa relação com as crianças, observando as diferentes formas de atuar das crianças e como elas se relacionam entre elas e com o espaço. Podemos dizer também que o Piá vai meio que na contra corrente de um espaço e tempo determinados, assim como encontramos no âmbito da educação formal, como a Emef, por exemplo. O Piá está muito mais para o tempo e espaço do “recreio” que o da aula. Está mais para o tempo e espaço do lazer e espontaniedade de cada criança.

Nosso primeiro Pátio, o Pátio interno de uma sala de aula da Emef



No fundo do corredor a sala. Carteiras e cadeiras esquecidas, cansadas, acenam bom dia. Abraço uma por vez e as levo para os cantos, uma sobre as outras. Abro um Pátio. A janela no comprimento da sala com um sorriso de dez metros. Olho e nesse sorriso a paisagem do Caminho do Mar.





A rede no meio da quadra é verde, de cadeiras cansadas verdes de plástico
A tabela é formada por uma caixa de papelão aberta dos dois lados grudada ao alto no quadro branco
Começa o jogo
Termina a aula




O Piá 2015 no Ceu Caminho do Mar começou os encontros com as crianças em uma sala da Emef que é considerada uma sala Multiuso. Assim era chamada esta sala. Ela é igual a qualquer outra sala do prédio da escola com muitas carteiras, lousa, e nesta havia muitos livros escolares amontoados nas paredes da sala. Um espaço apertado, meio depósito, meio sala de aula.
As crianças de duas turmas do Piá faziam os encontros aí. Essa turmas eram formadas somente por alunos da Emef. Ou seja, era um espaço já bem conhecido das crianças. Para elas, já não havia novidade alguma nesta sala, neste espaço. Um espaço restrito, viciado, cansado e triste. E ao meu ver o espaço determinava muito na forma como as crianças se relacionavam com ele e também a maneira como elas se relacionavam umas com as outras.
Sendo assim, vimos como um desafio essa relação do espaço escolar e a relação que as crianças constroem com ele. Sabendo que elas ainda estarão por mais alguns anos neste ambiente, de que forma poderíamos então dar essa percepçao em torno das crianças e provocar movimento, mudança? Como dar outro sentido, outro olhar para o espaço que as crianças habitam na escola?



O Pátio Externo

O Ceu passava por reformas. Piscinas, salas e quadra do Bec ( Bloco Esportivo Cultural ) estavam interditados. Não era possível naquele momento ter uma sala específica para o Piá para realizar os encontros, por conta destas reformas. Tínhamos também em uma das turmas falta de inscrição e participação das crianças. O horário colaborava também para que isso acontecesse. Das 11h às 13h. Horário de saída e de entrada.
Sendo assim, uma das maneiras que nós Aes percebemos para dar sentido a esta turma foi estar presente no lugar de passagem, neste horário de entrada e saída de pais e crianças.
Esse foi o lugar ideal para a construção do Pátio Piá. Um lugar do encontro, da troca, da convivência. Um lugar também, tomando emprestado do significado latim de Pateo, um lugar para se expor, para abrir-se e descobrir-se.



Estes encontros foram de um desafio maravilhoso. Se por um lado não tínhamos sala e poucas crianças, somente três, por outro tivemos que estar presente nos lugares onde havia movimento. E também deveríamos criar presença, para que de alguma forma pudéssemos instaurar um processo naquele tempo espaço.
Começamos aos poucos, nos relacionando de forma passiva com o espaço e com as pessoas, crianças, alunos, pais, funcionários do Ceu que ali transitavam neste momento, na área externa do Ceu, a céu aberto. Na verdade, nós Aes éramos as pessoas novas que passavam a frequentar este Pátio. Afinal de contas chegamos tarde, em junho, quando o Piá ainda está no início. Logo, pela própria rotina, e talvez pela característica de artista educador, todos começaram a notar o porque e com qual finalidade estávamos ali.
A forma como descobrimos para atrair principalmente a curiosidade das crianças foi de uma maneira bem natural, nos relacionando de forma indireta, simplesmente conversando e em seguida nos relacionando de uma maneira mais ampla, nos expondo ao que estava acontecendo ali entre elas, nos seus diálogos e na forma como elas se expressavam, principalmente pela brincadeira, pelo jogo.



Conforme os encontros aconteciam, as crianças começaram a perceber a nossa presença e passaram a nos aguardar para estes encontros. Um grupo de crianças enquanto esperavam sentadas o transporte escolar, agora passava a nos mostrar que o tempo de espera poderia ser bem aproveitado quando estão se relacionando umas com as outras através de suas brincadeiras preferidas, com a colaboração e organização dos AEs. As crianças que chegam para o período escolar da tarde, passaram a chegar mais cedo para encontrar com nós. E as crianças da manhã que estavam de saída ficavam um pouco mais para continuar a brincadeira. Os pais, funcionários, seguranças, também passaram a olhar de outra maneira para este momento. As crianças neste momento, talvez por “segurança” e “controle” feitos pelos funcionários, não podiam muita coisa. Coisas simples como correr, se pendurar nas barras de ferro, subir nos bancos eram um pouco delimitado pela equipe de segurança do Ceu. Não é uma crítica em relação a empresa e equipe de segurança do Ceu a forma como eles atuaram. Na verdade, somente percebemos que não havia um diálogo de educador com as crianças e não havia observação na maneira como elas se relacionavam.
Neste breve período nós AEs fomos participando dessa rotina do equipamento e aos poucos interagindo com todos que passavam neste Pátio. Despertamos interesse por parte das crianças e adultos, pais e funcionários. A ideia principal ao meu ver é de fazer parte de algo que é de todos. Democratizar o espaço, o bem material e conhecimento para toda comunidade. Estar presente na vida e na rotina do equipamento, criando o bem-estar. Como artistas, criamos então um ambiente que proporcionou o encontro, convivência, interagindo através de atividades que combinaram múltiplas expressões, com o intuito principal de valorizar as pessoas e o seu entorno, respeitando e estimulando a autonomia, a interação e o contato com expressões e modos diversos de "agir, pensar e sentir".



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

-Pequeno Dicionário Latino-Português. São Paulo, Companhia Editorial Nacional, 3ª ed., 1950. p. 1324; 
-VIGOTSKI, L, S. A construção do pensamento e da linguagem, São Paulo: WMF Martins Fontes, 1934/2009


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